UNIVERSIDADE DA INTEGRAÇÃO INTERNACIONAL DA LUSOFONIA AFROBRASILEIRA INSTITUTO DE HUMANIDADE E LETRAS - CAMPUS DOS MALÊS
BACHARELADO INTERDICIPLINAR EM HUMANIDADES
Racismo Líquido: Uma Análise Crítica das Formas Fluídas de Discriminação Racial na Sociedade Contemporânea
Autor: Milson Onilètó dos Santos
Racismo Líquido: Uma Análise Crítica das Formas Fluídas de Discriminação Racial na Sociedade Contemporânea
"O que importa não é conhecer o mundo, mas mudá-lo." Frantz Fanon
Esse trabalho é fruto da observação e questionamento do estudante Mil Onilètó, estudando do curso de bacharelado interdisciplinar em humanidades, da universidade da Integração da Lusofonia Afro Brasileira, e surge após diversos estudos, eu identificar um tenso debate construído em torno da teoria do racismo, sobre tudo na diáspora Brasileira, que tem sido impactada de uma forma peculiar por toda estrutura do imperialismo e suas contribuições para o dilacerar da noções de humanidades destruídos no processo de colonização e pós colonização. E é uma tentativa de enriquecer o debate sobre o racismo, afim de contribuir para o entendimento desse fenômeno que acompanha a historia da humanidade. Afim de esmiuçar das estrutura e funcionamento do racismo na contemporaneidade e diretamente provocado pela disputa epistêmica travada entre as ideias dos pensadores, Silvio Almeida, que defende o termo racismo estrutural e por um outro lado Clovis Moura que discorda veemente da ideia e propõe que o racismo é fruto das interações sociais, e que se fosse estrutural já teríamos vencido.
Ao acompanhar as defesas das ideias, nos deparamos com outro pensador, Hertes Dias, que aponta que nem um nem outro, autores estão corretos. Percepção essa que a primeiro momento me deixou profundamente curioso e pra perceber a peculiaridade do racismo e sua capacidade de se adaptar e com isso mudar a forma como que as pessoas se relacionam, principalmente no que diz respeito a ideia de racialização.
A modernidade, enquanto conceito que engloba transformações sociais, políticas e econômicas, foi também o terreno fértil para a emergência do racismo como estrutura de dominação. A modernidade sólida, caracterizada por suas instituições estáveis e pela criação de sistemas de vigilância e controle, como descrito por Michel Foucault através do conceito de panoptismo, sustentou um racismo estruturado e sistêmico. No entanto, com a transição para a chamada modernidade líquida, conforme teorizado por Zygmunt Bauman, as formas de opressão também se tornaram mais fluidas e adaptáveis. Nesse contexto, propomos o conceito de racismo líquido, uma forma de discriminação racial que se ajusta às dinâmicas fluidas da sociedade neoliberal, globalizada e digitalizada.
Este artigo busca analisar como o racismo, uma vez sólido e institucionalizado, se adapta às novas realidades sociais, tornando-se uma força líquida, e como as noções de liberdade, particularmente a distinção entre liberdade negativa e positiva, afetam e se entrelaçam com essa transformação. Para tanto, será explorada a relação entre racismo e capitalismo racializado, neoliberalismo e a adaptação do racismo nas esferas digitais e globalizadas. Além disso, serão discutidas as implicações das novas formas de racismo nas lutas antirracistas contemporâneas e os desafios de lidar com uma discriminação mais sutil e invisível.
Modernidade Sólida, Panoptismo e Racismo Estrutural
A modernidade sólida, conceito estabelecido por Bauman, foi marcada pela rigidez das instituições e pela criação de sistemas estáveis de controle social. Nesse contexto, o racismo funcionava como uma ferramenta central de dominação, legitimando a exploração econômica e a opressão racial, especialmente no período colonial e pós-colonial. Michel Foucault, ao discutir o panoptismo, destaca como o controle e a vigilância eram exercidos por meio de instituições, como prisões e escolas, mas também por meio da normatização de práticas racistas que marginalizavam as populações não brancas.
Uma provocação que serve como uma reflexão fundamental no estudo das relações coloniais e raciais. Quando perguntamos: "Os colonizadores tornaram-se racistas porque colonizaram, ou colonizaram porque eram racistas?", estamos na verdade explorando a gênese do racismo enquanto sistema de dominação, ligado diretamente ao processo de colonização.
Essa pergunta provoca discussões sobre a instrumentalização do racismo no processo de justificação da colonização e a construção da superioridade racial como uma ferramenta de exploração. Algumas reflexões que podem guiar esse debate é, colonização como catalisadora do racismo: Segundo pensadores como Frantz Fanon, o racismo pode ser visto como uma consequência da colonização. Ao invadir, dominar e explorar outras culturas, os colonizadores criaram uma ideologia de superioridade racial para legitimar essas ações. O racismo, nesse sentido, seria um artifício usado para justificar a exploração, criando uma hierarquia entre o "colonizador civilizado" e o "colonizado selvagem".
O racismo como motivação da colonização por outro lado, há o argumento de que as ideologias racistas já existiam e foram parte do impulso colonizador. A visão de superioridade europeia, baseada em categorias étnicas e raciais, precedeu o processo colonial e motivou a expansão imperialista. Essa visão já estava presente em práticas como a escravização de africanos e a evangelização forçada, onde se buscava subordinar povos não europeus sob a perspectiva de uma "missão civilizatória".
Portanto, essa questão não tem uma resposta simples, mas abre o caminho para compreender como o racismo foi tanto uma ferramenta quanto uma justificativa para o processo de colonização, criando um ciclo vicioso onde colonização e racismo se reforçam mutuamente. Isso nos ajuda a perceber que o racismo não é um subproduto de ações isoladas, mas uma construção histórica complexa que ainda impacta profundamente as sociedades contemporâneas.
Cedric J. Robinson, em sua teoria do capitalismo racial, argumenta que o racismo foi uma ferramenta estruturante do próprio sistema capitalista, permitindo a exploração da mão de obra negra e indígena. Nesse sentido, o racismo não era uma questão moral ou acidental, mas uma característica fundamental da modernidade capitalista. A vigilância panóptica de Foucault, com seu foco no controle constante, pode ser vista como um reflexo da vigilância racial, que garantia a manutenção das hierarquias raciais e a reprodução do racismo estrutural nas sociedades ocidentais.
Racismo Estrutural e Capitalismo Racializado
O racismo estrutural emergiu como um mecanismo fundamental para garantir a perpetuação das desigualdades entre brancos e negros em sociedades coloniais e pós-coloniais. Esse conceito, amplamente explorado por teóricos como Silvio Almeida, aponta que o racismo não deve ser visto apenas como uma questão de atitudes individuais ou preconceitos isolados, mas como uma estrutura sistemática que permeia todas as dimensões da vida social, política e econômica.
No contexto colonial e pós-colonial, as políticas de segregação racial, como o apartheid na África do Sul, as leis Jim Crow nos Estados Unidos e a discriminação formal e informal nas economias coloniais, são exemplos concretos de como o racismo foi institucionalizado para garantir a dominação racial e econômica. Almeida destaca que o racismo estrutural é parte integrante do funcionamento das instituições e que ele não depende de atos deliberados de racismo individual. Ao contrário, o racismo estrutural se manifesta de forma automática, através de mecanismos históricos e sociais que reproduzem e perpetuam desigualdades racializadas.
A exploração da mão de obra negra e indígena no capitalismo racializado reflete essa dinâmica, reforçando a ideia de que o racismo está entranhado nas estruturas econômicas globais. A partir do
pensamento de Silvio Almeida, podemos compreender que o racismo estrutural está diretamente ligado à forma como o capitalismo se desenvolveu, especialmente nas colônias, onde a hierarquia racial foi essencial para justificar a exploração e a desigual distribuição de riqueza e poder. A mão de obra negra e indígena foi expropriada e subordinada a um sistema econômico que, por sua própria lógica, necessitava da subjugação de grupos racialmente marcados para se expandir e lucrar.
Para Almeida, o racismo é funcional ao capitalismo porque organiza a distribuição desigual de recursos e poder entre diferentes grupos raciais. Ele argumenta que o racismo não é um fenômeno separado do capitalismo, mas, ao contrário, é uma engrenagem que possibilita a manutenção das desigualdades econômicas e sociais. O capitalismo racializado, portanto, se vale do racismo estrutural para legitimar a exploração e garantir que as populações racializadas permaneçam nas posições subalternas do sistema produtivo.
Essas políticas de segregação e a exploração econômica dos povos negros e indígenas, portanto, não apenas reforçavam a dominação branca, mas também serviam para institucionalizar o racismo nas estruturas políticas e econômicas das sociedades coloniais e pós-coloniais. Para combater o racismo estrutural, é preciso uma transformação profunda dessas estruturas, como sugere Silvio Almeida, reconhecendo que o racismo é um problema sistêmico e não meramente individual, e que ele é intrinsecamente ligado às dinâmicas do capital e à sua histórica relação com a opressão racial.
A transição para a modernidade líquida trouxe consigo uma profunda transformação nas estruturas sociais e, com isso, uma modificação nas formas de controle, poder e, por consequência, no racismo. Como aponta Zygmunt Bauman, o conceito de "liquidez" na modernidade refere-se a um estado de fluxos constantes, onde as estruturas rígidas e tradicionais da modernidade sólida se dissolvem, cedendo lugar a relações mais fluidas, flexíveis e, em muitos casos, imperceptíveis. Essas transformações afetaram diretamente o modo como o racismo se manifesta, criando o que podemos chamar de "racismo líquido" — um racismo que, embora não seja tão visível ou institucionalizado como no passado, permanece igualmente opressivo, adaptando-se às novas formas de organização social.
Dissolução das Estruturas Sólidas e o Racismo Líquido
No contexto da modernidade sólida, o racismo operava de forma explícita, com barreiras legais e sociais claramente delineadas. As leis segregacionistas, a escravidão e os regimes coloniais eram representações concretas de um racismo estruturado e institucionalizado. No entanto, à medida que essas formas de discriminação foram sendo derrubadas por movimentos sociais e mudanças políticas, as antigas estruturas começaram a se dissolver. O racismo, contudo, não desapareceu; ele se adaptou às novas condições da modernidade líquida, onde as instituições rígidas deram lugar a um mercado globalizado, às redes de comunicação e à flexibilização das relações de poder.
Na modernidade líquida, o racismo não precisa mais de legislações explícitas para se perpetuar; ele opera de maneira mais sutil e muitas vezes invisível, inserido nas dinâmicas cotidianas das relações
sociais e econômicas. As discriminações não são mais fundamentadas abertamente em critérios raciais, mas se manifestam em políticas de exclusão disfarçadas de neutralidade ou meritocracia, na precarização das condições de vida de determinadas populações e na manutenção de desigualdades estruturais que não são facilmente perceptíveis.
O Papel da Mídia e a Representatividade como Mercadoria
A mídia, que historicamente desempenhou um papel central na construção e na reprodução de estereótipos raciais, adaptou-se rapidamente a essa nova realidade líquida. Durante a modernidade sólida, os negros eram sistematicamente excluídos dos meios de comunicação ou retratados de maneira estereotipada e negativa. Havia uma negação da imagem negra, uma recusa em incluir representações positivas de pessoas negras na mídia mainstream. Com a transição para a modernidade líquida, porém, essa exclusão foi sendo substituída por uma exploração econômica da imagem negra, frequentemente travestida de "representatividade".
Sob o discurso da diversidade e da inclusão, muitas corporações e meios de comunicação passaram a inserir corpos negros em campanhas publicitárias, filmes e séries de televisão. No entanto, em muitos casos, essa representatividade não se traduz em uma verdadeira inclusão social ou empoderamento. Pelo contrário, trata-se da transformação de corpos negros em mercadorias, em símbolos de consumo que servem para lucrar em um mercado que, cada vez mais, demanda diversidade. Dessa forma, o racismo líquido se manifesta quando a imagem da luta antirracista é cooptada pelo capitalismo, diluindo seu conteúdo crítico e transformando-a em um produto rentável.
A representatividade, que poderia ser uma ferramenta poderosa de transformação social, é muitas vezes utilizada de maneira superficial e despolitizada, transformando o negro em um objeto de consumo e desviando o foco das discussões estruturais sobre o racismo. Isso gera uma falsa sensação de progresso, onde a presença de pessoas negras na mídia é vista como sinônimo de avanço, enquanto as desigualdades sistêmicas que sustentam o racismo permanecem intactas.
A Cooptção da Luta Antirracista e os Perigos da Superficialidade
O fenômeno da cooptção da luta antirracista na modernidade líquida é um reflexo direto da adaptabilidade do racismo a novas realidades. Enquanto, no passado, a militância negra se organizava de forma sólida e radical contra as estruturas opressoras do racismo, hoje essa luta corre o risco de ser diluída e instrumentalizada em prol de interesses mercadológicos e corporativos. Ao invés de enfrentar o racismo de maneira profunda e estrutural, muitas vezes a militância é incorporada em um discurso politicamente correto que, embora importante em alguns contextos, acaba por não tocar nas raízes profundas das desigualdades raciais.
Esse processo de esvaziamento e cooptção é perigoso porque pode transformar a luta antirracista em uma mera reflexão superficial, impedindo que mudanças verdadeiras ocorram. Quando o foco da luta
se restringe a questões de visibilidade e representatividade, sem abordar a desigualdade econômica, a violência policial, a educação precária e outros fatores que afetam desproporcionalmente as populações negras, corre-se o risco de perpetuar o status quo. Assim, o racismo líquido se torna ainda mais difícil de combater, pois ele se esconde sob o véu da inclusão aparente, enquanto mantém intactas as bases econômicas e sociais da opressão racial.
Liberdade e Racismo Líquido: A Dialética Entre Liberdade Positiva e Negativa
Nesse contexto, é essencial reexaminar os conceitos de liberdade, particularmente as distinções feitas por Isaiah Berlin entre liberdade positiva e liberdade negativa. Na liberdade negativa, entendida como a ausência de coerção, o indivíduo é livre quando não há interferências externas em suas ações. Na modernidade líquida, o racismo líquido parece operar dentro desse conceito de liberdade negativa, onde a discriminação direta pode não ser visível ou legalmente sancionada, mas onde as barreiras invisíveis, como o racismo institucional e a desigualdade estrutural, continuam a impedir que as populações negras possam exercer uma verdadeira liberdade.
Por outro lado, a liberdade positiva — a capacidade de agir em conformidade com a própria vontade, de ter controle sobre sua vida e alcançar o pleno desenvolvimento de suas capacidades — é profundamente negada às populações negras na modernidade líquida. O racismo líquido impede a realização dessa liberdade positiva, ao manter, de forma oculta e adaptável, as condições que perpetuam a opressão racial.
Racismo Líquido: A Fluidez da Discriminação na Modernidade Contemporânea
Com a transição para a modernidade líquida, o racismo passou a assumir formas mais sutis e fluídas, adaptando-se às novas dinâmicas sociais e econômicas. Como Zygmunt Bauman sugere, as instituições na sociedade líquida são menos rígidas, e as identidades, assim como os sistemas de opressão, são mais maleáveis. O racismo líquido opera dentro dessas novas dinâmicas, utilizando o neoliberalismo e a globalização para perpetuar as desigualdades raciais de maneira menos visível.
O racismo líquido se manifesta em esferas digitais, por meio de algoritmos que reforçam estereótipos raciais e plataformas online que permitem a disseminação de discursos de ódio racial, muitas vezes sob o véu da liberdade de expressão. O trabalho de Safiya Umoja Noble em Algorithms of Oppression destaca como as tecnologias digitais, em vez de serem neutras, reproduzem as mesmas hierarquias raciais presentes na sociedade física, criando novos mecanismos de exclusão e discriminação. Na modernidade líquida, o racismo não é mais exercido por meio de políticas abertamente racistas, mas através de um conjunto de práticas adaptáveis que reforçam as desigualdades de maneira silenciosa e sistêmica.
Liberdade na Modernidade Líquida: Uma Análise Crítica da Liberdade Positiva e Negativa
A ideia de liberdade, particularmente nas sociedades modernas e contemporâneas, também se transforma na modernidade líquida. Isaiah Berlin, em sua teoria das duas liberdades, descreve a liberdade negativa como a ausência de impedimentos externos — a liberdade "de algo", enquanto a liberdade positiva refere-se à capacidade de um indivíduo agir de maneira autônoma — a liberdade "para algo".
Na modernidade líquida, o discurso de liberdade negativa é frequentemente apropriado pelo neoliberalismo para justificar políticas que negligenciam as necessidades sociais e ignoram as desigualdades estruturais. A liberdade, nesse sentido, é vista como a ausência de intervenção do Estado, o que, em sociedades racializadas, apenas reforça as desigualdades já existentes, permitindo que o racismo líquido floresça.
Por outro lado, a liberdade positiva — a capacidade real de indivíduos, especialmente de populações racializadas, exercerem sua autonomia e alcançarem igualdade de oportunidades — é severamente limitada na modernidade líquida. A flexibilidade da sociedade líquida, muitas vezes apresentada como uma forma de maior liberdade, resulta em uma precariedade generalizada para essas populações, que continuam a enfrentar barreiras invisíveis no mercado de trabalho, na educação e em outras esferas da vida.
Neoliberalismo e Racismo Líquido
O neoliberalismo, ao promover uma visão de mundo onde o mercado é soberano e as instituições públicas são enfraquecidas, cria as condições ideais para a adaptação do racismo líquido. Como argumenta Wendy Brown em suas críticas ao neoliberalismo, as políticas neoliberais desmontam os sistemas de proteção social, que são fundamentais para mitigar as desigualdades raciais. Sob o neoliberalismo, o racismo não desaparece; ao contrário, ele se transforma em uma forma privatizada e individualizada de discriminação, onde as responsabilidades sociais são transferidas para os indivíduos, escondendo as desigualdades estruturais.
A precarização da mão de obra, que afeta desproporcionalmente as populações negras e indígenas, e a gentrificação de áreas urbanas são exemplos de como o racismo líquido opera dentro da lógica neoliberal. O racismo se adapta, tornando-se menos visível, mas ainda profundamente enraizado nas estruturas econômicas globais. As desigualdades raciais continuam a crescer, mesmo que o racismo líquido opere por meio de práticas menos óbvias do que as discriminações raciais abertas do passado.
O Racismo Global e o Sul Global
O racismo líquido também pode ser analisado sob uma perspectiva global, especialmente no contexto do Sul Global. O conceito de colonialidade do poder, formulado por Aníbal Quijano, é central para entender como o racismo líquido funciona no cenário globalizado. Mesmo após o fim formal do colonialismo, as hierarquias raciais e as relações de exploração continuam a operar dentro da lógica capitalista global. Países do Sul Global continuam a ser explorados economicamente, e suas populações racializadas sofrem com a precarização do trabalho e a falta de acesso a direitos básicos.
Na modernidade líquida, as práticas racistas se adaptam a essas novas dinâmicas globais, permitindo que as potências econômicas do Norte Global mantenham o controle sobre o Sul Global por meio de políticas econômicas e comerciais que perpetuam a desigualdade. O racismo, portanto, assume uma forma líquida, fluindo entre as fronteiras e adaptando-se às novas formas de dominação e exploração.
Racismo Líquido e Lutas Antirracistas na ModernidadeContemporânea
A conclusão de qualquer análise sobre o racismo, especialmente sob a ótica do racismo estrutural e líquido, exige uma reflexão profunda sobre os caminhos possíveis para a sua superação. Nesse sentido, o quilombismo ,Abdias do Nascimento, a superação do racismo não se dá apenas pela resistência, mas pela construção de novas realidades. Os quilombos históricos, formados por negros fugidos do cativeiro, eram espaços de organização social, política e cultural que negavam a lógica colonial e racista imposta. O quilombismo moderno resgatou essa ideia ao propor uma reorganização comunitária, pautada em princípios africanos de coletividade, solidariedade e autodeterminação. Nesse sentido, a acompanhamento das noções de afrocentricidade , defende Molefi Kete Asante.
A luta antirracista, ao focar-se exclusivamente no combate às manifestações do racismo, corre o risco de perpetuar uma batalha sem fim, onde o poder e a narrativa ainda estão centrados em uma lógica eurocêntrica. Em vez disso, o quilombismo e o panafricanismo propõem uma luta pela autonomia, pela afirmação da cultura africana e pela criação de estruturas sociais próprias que resistam e transcendam o racismo. A luta antirracista, embora válida e necessária em muitos contextos, pode cair na armadilha de simplesmente reagir às opressões, sem oferecer uma alternativa verdadeira e autossustentável para a emancipação da população negra.
Portanto, a luta contra o racismo deve ser redirecionada para a construção de um novo paradigma, onde as populações negras não buscam apenas integração em uma sociedade racista, mas sim a construção de suas próprias bases de poder, cultura e economia. Essa perspectiva, defendida pelo quilombismo e pelo panafricanismo, rejeita a ideia de que o progresso virá da simples oposição ao racismo. Ao invés disso, o caminho ideal é a criação de uma nova ordem, pautada nos valores africanos, na solidariedade internacional entre negros e na criação de espaços independentes de resistência e florescimento.
As observações levantas Asante, a cerca das noções de afrocentricidade é, nesse sentido, a chave para uma possivel superação do racismo. A busca por uma agencia e identidade própria, não moldada pelos parâmetros da opressão, é mais eficaz do que uma luta antirracista que apenas responde ao racismo sem propor alternativas reais de autonomia e emancipação. Ao se pensar sobre a superação do racismo, torna- se crucial não apenas a identificação e a crítica das estruturas que perpetuam a opressão, mas, principalmente, a construção de novos paradigmas que valorizam as identidades negras e promovem a autonomia e agencias para as pessoas pretas. A luta anti racista , com sua proposta, a luta pela liberdade,
portanto, deve ir além da simples negação do racismo; ela deve ser uma afirmação positiva de nossas identidades e potências, resultando na construção de um futuro onde as populações negras possam viver de forma plena, sem as amarras do racismo estrutural e líquido. É fundamental que uma militância antiracista se conecte com esses ideais positivos de liberdade, buscando formas efetivas de implementar as mudanças possíveis para a verdadeira transformação social.
Para tal, é necessário que as lideranças e movimentos sociais estejam alinhados com as filosofias que promovem a autonomia e a autoafirmação. Essa aproximação ao quilombismo e ao panafricanismo não apenas fortalece as lutas locais, mas também se alinha a um movimento global que busca a justiça racial, econômica e social. O fortalecimento das redes de solidariedade entre as populações africanas e afrodescendentes é uma estratégia poderosa para combater o racismo em suas diversas manifestações e para criar um mundo mais justo e Por fim, ao refletirmos sobre a história do racismo e suas ramificações, é vital lembrar que a verdadeira luta contra essa opressão não é uma batalha isolada, mas um esforço coletivo que exige um compromisso contínuo com a justiça social e a dignidade humana. Assim, ao nos inspirarmos em pensadores como Abdias do Nascimento, é imperativo ressaltar que a luta contra o racismo deve ser compreendida como um processo contínuo de aprendizagem, conscientização e ação direta cultural . As lições do passado e as visões de futuro propostas por pensadores quilombistas e panafricanistas nos oferecem não apenas um diagnóstico das injustiças raciais, mas também e perspectivas para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa.
Essa jornada requer um compromisso genuíno de todos nós. É fundamental que, enquanto indivíduos e coletividades, nos empenhemos em desconstruir as narrativas racistas enraizadas em nossa cultura e sociedade. Ao abraçar o quilombismo e a afrocentricidade, podemos nos unir em torno de uma causa maior, que visa não apenas erradicar as formas de opressão, mas também celebrar nossas vidas!
Referências Bibliográficas
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NKRUMAH, Kwame. Neocolonialism: The Last Stage of Imperialism. London: Nelson, 1965.
SILVA, Lélia Gonzalez. A Resistência e a Reexistência: a Luta dos Negros no Brasil. São Paulo: Editora Boitempo, 2019. WILLIAMS, Patrick; CHRISTIE, Laura. Racism: A Short History. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.