Mulherismo Afrikana, Saúde Mental e Centralidade Africana
Yohana Rosa''Kaiadi diá Angorô''
A CUP (Centro Unificado Panafrikanista), é uma organização comunitária composta por pessoas afrikanas (do continente e da diáspora brasileira), de orientação Kilombista e Garveyista, a qual acreditamos que a nossa emancipação, das comunidades afrikanas se dá pela libertação econômica, política, epistemológica, psíquica e espiritual. Nossas movimentações baseiam-se por trocas culturais, linguísticas, ancestrais, e regionais, alimentando a consciência política e existencial de ser afrikana/o. Em torno de raízes que nos mantém, o Mulherismo Afrikana é um caminho que nos alicerça em ser e compreender a coletividade preta, cunhado pela afro-estadunidense profª Clenora Weems, a qual aflora olhares e dinâmicas que nos emancipa à partir do matriarkado, matripotência e matrifocalidade afrikana.
No atual cenário de pandemia, houve a necessidade do isolamento social de algumas pessoas, na compreensão de que existe uma base social e de que o povo afrikano e indígena se encontra mantendo a engrenagem capitalista-racial, não sendo possível a todas/os paralisarem por conta dessa doença programada e sendo os/as mais afetados/as em diversos aspectos. Nisso, é possível perceber que o afastamento social evidenciou as mazelas psicológicas das afrikanas/os, como a ansiedade, a depressão, o esgotamento, a “síndrome de perseguição” (WHITE, 1970) e o medo constante de ser a próxima vítima do sistema genocida.
Estive presente nesta data (04/06) em uma reunião com professores/as e estudantes da UNILAB (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira) para a decisão do retorno do semestre remoto proposto pelo MEC a alguns dias, causando um tempestuoso debate, tendo como conclusão de que é inviável o nosso retorno por diversos fatores, mas o fator principal, é a sanidade psíquica das/os estudantes e professoras/es pretas/os. Houve uma fala de uma irmã afrikana que enfatizou como estamos desmantelados economicamente, politicamente e socialmente, não nos preocupando com a mães, a maternidade e a infância de nossas crianças; a voz daquela mulher afrikana foi o grito de desespero perante as instituições que não pretendem nos representar, ao silêncio imposto e o desmanche de formas existenciais e revolucionárias constituída por nós afrikanas/os (continentais e diaspóricos). Cabe aqui, frisar que devemos estar atentas/os para as articulações racistas e genocidas programas pela estrutura capitalista-racial e federal, que aliena parte de nossa comunidade, não permite que respiramos, e suga e faz-nos opor uma/um contra as outras/os, tentando secularmente destruir nossas coletividades afrikanas.
Dessa maneira, faz me ser e crer que a “centralidade africana” (ASANTE, 2003) nos torna agentes dos caminhos da nossa história e que a perspectiva de raça sendo um demarcador social marginalizado alimenta a estrutura capitalista para manter o bem estar social de brankkkos, nisso, só haverá o “fim” do racismo quando o capitalismo-racial sucumbir. A centralidade racial amplia a consciência em relação às resistências, clivagens e quem somos dentro das sociedades, no caso, a brasileira, reivindicar-se enquanto afrikanas/nos, coletividades e sujeitas/os pretas/os torna-nos potente para resgatarmos e aprendermos com ensinamentos do passado e estruturar um presente que seja digno para a nossa existência afrikana em qualquer lugar que estejamos.
Como mulher afrikana indago, como estamos nos movimentando para compreender e reerguer o nosso povo? Continuaremos alimentando a estrutura que nos elimina e impede de sermos? Como as afrikanas/os e pretas/os das favelas, periferias, estão se akilombando? E a nossa maternidade? A institucionalização de nossas pautas será sempre modificada de acordo com os interesses estruturais/federais/raciais, precisamos criar formas de resistência para além das epistemológicas, acreditando que também seja uma forma de combate ao racismo e reerguer o nosso povo, que nossa forma de (re) existência e ancestralidade seja o nosso ar.
Nguzo!
Yohana Rosa
Kaiadi diá Angorô
Membra do Centro Unificado Panafrikanista (C.U.P)
Graduanda em Licenciatura Plena em Sociologia na Unilab/Malês
Mestranda no Pós-Afro/UFBA
Cada escolha uma renúncia, logo, perdi muito, quando escolhi crescer, mesmo que esse crescimento se concretiza-se para dez anos, na minha cabeça sempre esteve muito firme a ideia que todos os projetos de mudanças de vida executados nos meus projetos diários teriam efeitos nesse tempo.
Percebi cedo que não seria fácil, logo novo, todos me questionavam o por que de eu querer aprender tantas coisas, muitas deles quase que ao mesmo tempo e algumas delas nem chegava a concretizar e pulava pra outra. Uma curiosidade sem tamanho, sempre gostei de conhecer coisas novas.
A partir das coisas que aprendi a fazer com a mão, foi um passaporte pra circular o mundo. Comecei aprendendo fazer tambores, era jovem, sempre era convidado por Diego Negão (In memória), meu grande irmão e mestre, sempre que ele passava pela minha rua e me via vigiando carro ou metido em alguma briga, me chamava pra ir fazer parte do projeto que estava em funcionamento no CCN(Centro de Cultura Negra do Maranhão) a ligação da minha família era muito forte com a instituição, quase todos da minha fampilia até hoje saem no maior bloco afro do Maranhão o Akomabu, nessa época tão ativo e com as lideranças que dava gosto de ver falar e presenciar as ações, Diego negão, meu amigo desde o projeto filhos do akomabu, uma ala para crianças no bloco assim com o Mestre Magno Cruz, que sempre que me viam, repetiam o convite, para eu retornar a participar das atividades, até que retornei a sede da instituição que sempre ficara marcada na minha vida, independente das discordâncias do modelo político atual.
Não é pra tanto, o fato de não conseguir ficar tanto tempo distânte ali do lado de casa no bairro do Bares, cresci vendo a ligação forte que a instituição tinha na época. Meu pai, já estaria destinado a esta na memória de quem conhece de perto, os passos do grande bloco de afoxe do estado maranhense, ele o Mestre Miguelzinho como é chamado, foi o primeiro a levar a primeira marcação para o bloco, esse instrumento proveniente da Favela do Samba (escola de samba visinha), onde meu pai também viveu intensamente a história.
Para alem da herança do instrumento que até hoje faz parte do set de percussão do bloco e de muitos outros que foram criados como dissidência do Grande gigante negro,
Meu pai deixou outra marca, que aproveito pra lembrar os que não tem forte memória, na sede citada, existe dois pontos de Orixas, Exu e Oxossi/Ogum, e ao lado do ponto de Oxossi, um pé de egiope (Dendezeiro), que foi plantado depois de meu nascimento. De fato descobrir isso depois de minha adolescência, fato interessante é que eu sempre catava os carroços de dendê pra quebrar com alguma pedra e comer o coquinho que tinha dentro, mesmo sem saber o significado ancestral do ato de criança levada.
Pois bem, depois de um convite do Diego Negão, que era meu amigo desde do projeto Filhos do Akomabu, que naquela época ocupava o lugar de professor do curso de confecção de instrumento de percussão afro Brasileiros e africanos, troquei a rua, onde adorava ficar, pela sala de aula do curso, paixão de primeira, tento que tempo passava rápido enquanto estávamos reformando ou criando um outro instrumento. Era uma coisa que me movia por dentro, sentava ali, perto do pé de dendezeiro a lixar ou fazendo outra função da oficina, O projeto era coordenada por uma guerreira muito importante na minha vida, a Grande Zezé de Xangô, na época não entendia nada do nome, só sentia um medo grande de sua personalidade forte e postura de rainha, tremia todo, principalmente quando tínhamos que apresentar a ela o resultado de algum trabalho, um elogio dela era de deixar qualquer artesão feliz pelo seu trabalho. Um das memórias mais presentes foi uma encomenda de alguns atabaques que deveríamos enviar pra fora do Brasil, Rubervaldo que era o segundo professor do curso, logo se transformou em um grande amigo, perfeccionista como é, pude lapidar muitas coisas que aprendia no curso, e durante os trabalhos pra encomenda, que deveria sair perfeita, diga-se de passagem.
Todos os atabaques prontos, vários dias amanhecendo pra dar conta dos tambores e de suas miniaturas idênticas que acompanharia os instrumentos. Como sempre existe um instrumento que testava toda nossa fé, o ultimo atabaque que estava sendo pintado com diversas cores por mim, com supervisão do professor Rubervaldo, já tinha levado a primeira demão de tinta branca e outros detalhes de verde que estava em processo de secagem. Tudo ocorrendo bem com a pintura, passa fita, pinta, tira fita, desenho executado com sucesso, na hora de aplicar o verniz, que deveria ser feito manualmente com uma pistola de alumínio, que precisava ser muito bem limpa e lavada pra não deixar um resquício de tinta, para que no outro dia estivesse funcionando perfeitamente, sem cuspir nem um farelo de tinta antiga.
tudo correndo bem, precisei fazer a mistura do catalizador no tal verniz, não percebi que o produto usado nas tintas anteriores era P.U, usei o produto errado, o algaras. na hora nada de problema, a tinta ainda estava somente na pistola de ar comprimido. foi só ser soprada pelo compressor em direção do instrumento que ao tocar na pintura linda feitas com efeitos africanos, começou a pipocar toda.
No final tivemos que refazer tudo, e não daria mais tempo pra ir pra casa, teríamos que dormir ali, na sede do Centro do Cultura Negra, que na época, causava muito medo nos jovens, rezava a lenda que por ter sido usado como mercado de negros em situação de escravidão, todos afirmavam que era assombrado, lembrava disso quando, tive que ir ao banheiro, e ao sentar tranquilo pra fazer o que só eu podia fazer, as portas do banheiro fechou todas ao mesmo tempo num estrondo só. arrepios por todo o corpo. vesti minha roupa tremula e ouvir uma gargalhada, pensei que era alguém querendo pregar uma peça, mas lembrei que só tava eu e muitas outras poucas pessoas. Enfim sustos a parte, no outro dia tivemos que refazer as pinturas que ficaram bem melhor, só de lembrar do susto, e ao perceber que se errasse outra vez teríamos que ficar mais uma vez durante a noite pra concluir o prazo.
Um dia quando estávamos na função de fazer instrumento, a coordenadora, Zeze de Xangô, convidou os professores pra ir a algum lugar, eu também fui na barca, e essa viagem mudou minha vida, foi quando tive ainda bem novo o contato com o candomblé, na casa recem inaugurada, da mãe Venina d'Ogum, era um dia das mãe de 2005, era uma festinha comemorativa e a partir dali minha vida mudou, posso fácilmente dizer que o candomblé salvou minha vida, me deu outra perspectiva.
principalmente a nossa liderança guerreira, dona Zeze de Xangô, nos possibilitou o mergulho na minha ancestralidade, as perguntas que tinha sobre o mundo e o que me cercava pode ter mais sentido, logo estava totalmente mergulhado na vivencia do terreiro e o resgate aconteci de forma fluida, tive como grande mestre, o ogam mais velho até hoje em terra maranhense, o Tio Luis do Ogum, proveniente do Rio de Janeiro, onde foi Iniciado, veio pro maranhão e fez escola, ensinando os ritmos do candomblé pra diversas pessoas, teve a honra de viver muito próximo dele por muito tempo, e logo esta confirmado sentindo a importância que eu jovem preto nunca tinha sentido na vida, o poder da representatividade do sacerdócio para uma uma pessoa que como eu na minha comunidade estava fadado a ter uma vida curta, entregue as mais diversas vulnerabilidades.
O projeto, que pra alem de confeccionar instrumentos, ensinava a toca-los, e fomos convidados pra fazer o espetáculo de no lançamento do grande projeto A cor da cultura em Brasilia, onde apresentamos um espetáculo lindo sobre os Orixás, ali diante de todos os atores globais NEGROS, fizemos todos se emocionarem com uma linda apresentação, ali pude conhecer muitas personalidades negras, ao passo que fazíamos, todos os jovens do projeto a primeira viagem pra fora do Maranhão, foram várias viagens articuladas pelo gigante projeto Sonho dos Erês, que tinha como linha de frente Carmen Behofort, liderado por dona Zezé de Xangô, na época coordenadora do centro de cultura negra do Maranhão. Passei tempos acompanhando os professores nas atividades extras do curso, assim como outros alunos, e quando ouve a mudança na coordenação geral do Centro de Cultura Negra do Maranhão, mudou também a coordenação do projeto, e ao abrir uma vaga de professor, pois Rudevaldo por força maior teve que se afastar, tive a honra de assumir a direção da turma. Me tornei o mais novo professor de confecção de instrumentos do CCN.
Uma pessoa de muita importância na minha vida, foi Presinha, minha mãe que o CCN deu, me cuidava como tal, e cuidava ra que não perdesse uma aula na escola renomada na qual ganhei bolsa integral como atleta marcial, lutava pela escola e estudava como recompensa.
De certo todo o esforço pra ajudar no processo de construção, preparação final e tudo mais, me deu uma experiência a mais diante da turma, o que mais tarde me trouxe ganhos imensuráveis pra minha vida, de fato eu adorava na época, por mais que fosse novo na altura da juventude, fui o mais novo instrutor do projeto, o que foi um desafio grande, que era um moleque leva, por apelido (Pânico) kkkkk era hiperativo, e gostava de aprender muitas coisas ao mesmo tempo.
Hoje vivo a tradição ancestral no meu dia a dia, considerado por muitos como Pai (Baba) efeito da hierarquia organizacional do candonblé JEJENAGÔ, e tenho a conecção de instrumento como profissão e cuido da mesma como quem coisa de um pedaço da minha história familiar, pra honrar, as mulheres pretas, a começar pela minhas mães, Joana Helena, Mãe Zezé de Xangô que me apresentou o candonble e a minha Zeladora maravilhosa, Mae Venina e mãe Telma, Minha mãe pretinha e tantas outras que não teria palavra no mundo pra destacar a importância, o conhecimento acumulado nas no esporte, devolvi para meus pares da comunidades onde nasci e vivi, na tradição do tambor pelas andanças na Amazonia e mata Atlantica, e no campo tecnológico, baseado nas ideias de Exu, todo o suporte que tenho prestado aos meus iguais em diversas formas como na criação da Rádio exu, com a ajuda do hoje ancestral Awo Taata Artur Leandro, que acreditou e deu forma pra minhas revolucionárias missões de hacker, preto, macumbeiro e fazedor de tambores!
Mil Onilètó
Um pouco da minha história com a tecnológica do tambor e ancestralidade na escola CENTRO DE CULTURA NEGRA DO MARANHÃO.
20.06.2020